Justiça Climática e Justiça Racial, qual a relação?

10:56

Quando observamos quais são os países mais poluentes, percebemos que são aqueles mais ricos e com maior desigualdade social. Também costumam ser aqueles que mais exploraram outros países e tomaram seus recursos naturais.

Por isso, a justiça racial busca a reparação histórica para os povos que sofreram com o colonialismo, e que atualmente são atingidos também pelo racismo e pela desigualdade social. Por sua vez, a justiça climática luta também pelos direitos humanos e defende as populações vulneráveis às mudanças climáticas.

Essas populações que sofrem com o racismo e com as injustiças raciais, são aquelas deixadas à margem da sociedade e que sentem mais na pele efeitos crise climática. Por exemplo, um estudo de 2017 mostra que em Londres comunidades negras são os que mais respiram níveis extremamente altos de dióxido de nitrogênio (NO2). E estudos anteriores já mostraram que moradores de comunidades e bairros economicamente mais carentes sofrem maior exposição do ar poluído, mas esse segundo estudo evidencia a ligação com a questão racial, já que por conta do racismo estrutural a maioria do povo negro é quem vive em bairros vulneráveis.

Outro exemplo é quando começou a crise de água em 2014 na cidade de Flint, no estado de Michigan nos Estados Unidos. A fonte de água potável da cidade foi trocada do Rio Detroit e do Lago Huron, para o Rio Flint. Porém o tratamento feito no sistema instalado foi insuficiente e o chumbo dos canos lixiviou para a água deixando 100 mil pessoas à mercê de contaminação, e apenas em 2016 elas foram instruídas a utilizarem apenas água engarrafada e entraram em estado de emergência. 

Em 2017 então, uma comissão de direitos civis contratada pelo estado de Michigan indicou em um relatório, que o racismo estrutural foi o que ajudou a causar tal crise de água em Michigan, desde a questão do governador nomear um gerente de emergências que decidiu trocar a forma de abastecimento de água da cidade de forma abrupta, o que colocou as pessoas em risco, justificando a situação com a finalidade de corte de gastos, até mesmo a demora para responder à situação de emergência. A população de Flint é composta por 57% de negros e 37% de brancos, e essa água contaminada é a provável causa do surto da Doença dos Legionários (uma pneumonia causada por bactérias do gênero Legionella) que aconteceu na cidade. 

E aqui no Brasil não é diferente, já que a população negra possui 20% menos acesso à água tratada e coleta de esgoto se comparada à população branca, de acordo com o IBGE de 2020. 

Mas a injustiça climática também atua sobre os povos indígenas, como grileiros, garimpeiros ou madeireiros invadindo suas terras para exploração ilegal. Ou até mesmo um racismo institucionalizado que vem acontecendo no Brasil, quando vemos Projetos de Lei denominados "anti-indígenas" sendo colocados em pauta para serem votados no Congresso Federal - e muitas vezes em caráter de urgência. 

Muitos desses projetos ignoram a constituição e o direito dos povos originários quanto à posse de suas terras. Por exemplo, o PL 490 que visa alterar o estatuto do Índio, permitindo a exploração econômica de terras indígenas caso haja interesse da União e também impedindo novas demarcações, e por isso cerca de 700 indígenas manifestam em Brasília desde a semana passada.

Sendo que ontem, dia 22 de junho, com uma manifestação pacífica na tentativa de impedir que o projeto fosse votado, os indígenas foram recepcionados com bombas de efeito moral e truculência, o que gerou uma grande confusão com resposta também dos indígenas. Idosos e crianças estavam no protesto e passaram mal ao inalar o gás, 12 indígenas ficaram feridos sendo que 2 em situação grave. 

E a votação da PL 490 ainda se estende para hoje, em uma tentativa clara de desrespeitar o meio ambiente e os indígenas.

De acordo com a diretora-executiva da Climate Action Network (CAN) dos EUA, Keya Chatterjee, quanto ao seu país (Estados Unidos) ela afirma, na Thomson Reuters, que:

                    “O racismo nos trouxe a crise climática. A realidade é que os impactos significativos da crise climática sobre as comunidades vulneráveis estão acontecendo porque nosso país (EUA) se dispôs a sacrificar vidas negras, pardas e indígenas ao colocar estruturas poluentes e extrativistas em comunidades negras, pardas e indígenas nos EUA e ao redor do mundo. A crise climática é, em seu cerne, uma crise de injustiça racial."

E ainda afirma que as populações ricas têm como lutar contra instalações de rodovias próximas às suas casas ou até mesmo indústrias poluidoras, enquanto a populações mais pobres sequer são ouvidas quando têm reclamações a fazer.

Para Hamangaí Pataxó Hã-Hã-Hãe, indígena da aldeia Caramuru Catarina Paraguaçu:

                    "A luta antirracista também precisa estar voltada nesse momento para o que está acontecendo com os povos indígenas em Brasília. Se você acha que não. Poxa, seu discurso antirracista é bonito só na teoria."

Não há como dissociar lutas climáticas e lutas raciais, e não existirá justiça climática enquanto tivermos tamanha desigualdade causada justamente pela injustiça racial histórica.

Para manifestar de casa e cooperar de alguma forma com a questão da PL 490 que prejudica os indígenas, envie o seguinte e-mail para os parlamentares da comissão pelo site da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)


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