As mulheres na ciência e no ativismo brasileiro: Claudia Andujar

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        Nascida em 12 de junho de 1931 na Suíça, como Claudine Haas. Filha de uma protestante suíça e de um judeu húngaro, viveu com o pai após a mãe se divorciar e sair da casa, e antes do conselho tutelar julgar que estava sendo maltratada (pois seu pai era violento) e interná-la em um convento na Hungria. Mas como Claudine se tornou Claudia e como chegou ao Brasil, é uma longa história que atravessa guerras.

Claudia Andujar em sua casa, foto de Guilherme Aquino

Com o avanço da Segunda Guerra Mundial e a perseguição aos judeus, sua família paterna foi caçada e mandada ao gueto e, posteriormente, ao campo de Dachau, onde foram mortos. Claudine precisou ir morar com a mãe, pois o convento em que vivia também fechou. Sua mãe se relacionava com um policial ligado ao nazismo o que lhe garantia algum tipo de proteção, mesmo sendo considerada judia por conta de seu pai. Mas a mãe não se adequou à vida com o policial e acabou fugindo com a filha de volta para a Suíça e ao receber uma carta do único tio paterno que restara, Claudine se muda para Nova York para viver uma nova vida e esquecer do passado, já que nunca se deu bem com a mãe.

Lá, ela conhece seu primeiro marido, um refugiado da Guerra Civil Espanhola com quem se casa aos 18 anos, um anos após conhecê-lo. Ela fazia faculdade e trabalhava durante o dia, mas precisou largar os estudos em História, porque não conseguiu dar conta. Júlio Andujar (de quem "herdou" o sobrenome) precisava do visto americano e se alistou como voluntário para a Guerra da Coréia, o que foi imperdoável para Claudia (que também abandonara o Claudine). Ela não queria recomeçar a vida com guerras, como declarou ao jornalista Fernando Nuno em uma entrevista para a Revista Trip. Esperou 3 anos até que o marido voltasse e se divorciou. 

Viajou então para o Brasil para visitar a mãe que viera morar aqui, e acabou viajando pelo país com uma câmera Rolleiflex recém comprada e sem saber muito da língua. Gostou e ficou de vez. Progressivamente, suas fotos do interior do Brasil (por onde ela passava viajando) foram publicadas em revistas nacionais e internacionais, e então foi apresentada em 1958, quase sem querer e por coincidência, ao antropólogo Darcy Ribeiro (que era amigo de seu vizinho) que lhe indicou que procurasse os índios Karajá na Ilha do Bananal, pois tinha certeza que ela gostaria de contar aquela história.

Claudia ficou 1 mês convivendo com os índios e no fim disso suas fotos foram compradas pelo diretor do MoMA (Museu de Arte Moderna de NY) na época, Edward Steichen (que revelou muitos grandes nomes da fotografia atual), e publicadas na revista Life espanhola de 1960.

Começou então a trabalhar como freelancer para a editora Abril e em um de seus trabalhos foi enviada à Amazônia para retratá-la à revista "Realidade". Apaixonou-se pelo lugar e decidiu abandonar o emprego, e se mudar de vez para viver entre Roraima e o Amazonas. Pouco tempo depois divorciou-se de seu segundo marido (o fotógrafo George Love) e entrou em missão pelas terras indígenas seguindo missionários.

Claudia teve malária 5 vezes, foi picada por aranha, dormiu em malocas com mais de 100 pessoas, passou 1 ano inteiro dentro da floresta se alimentando de caça e plantas, experimentou o pó alucinógeno yãkuãna, que normalmente apenas homens tomam em rituais. E quando foi embora de tudo isso, retornou com ajuda médica que passou por todas as aldeias.

Do pó alucinógeno veio a ideia da série fotográfica "Sonhos" de 1974-2003. 

Série Sonhos Yanomami de Claudia Andujar

Das fotos para registros médicos acompanhando médicos pelas aldeias, surgiu "Marcados" de 2005, que nunca foi sua intenção, mas que acabou sendo vista como fotografia artística.

Imagem entre afetos: Série Marcados de Claudia Andujar
Série "Marcados" de 2005 de Claudia Andujar.

Sobre a necessidade de buscar auxílio médico aos povos indígenas, Claudia diz que fez isso pois o estado de saúde deles se agravava tudo por conta do projeto do governo militar de construir a "Perimetral Norte", uma rodovia que abriria caminho para ligar o Atlântico ao Pacífico, e os homens que trabalhavam no local acabavam contaminando os índios. "Vi aldeias inteiras morrendo", ela declara, mas também diz que não teve tempo de registrar fotograficamente, pois "senti que era mais importante salvar vidas".

Além de tudo isso, ainda havia a inimizade com a FUNAI, que a expulsou do território em 1978 com a lei de "Segurança Nacional" do governo. Claudia foi obrigada a ficar 1 ano longe da floresta e nesse tempo, acabou desenvolvendo uma comissão em defesa às demarcações de terras do povo Yanomami, a CCPY (Comissão pela Criação do Parque Yanomami), com Carlo Zacquini (um missionário leigo que esteve sempre com ela desde o início de suas expedições), Alcida Ramos (antropóloga) e Bruce Albert (etnógrafo), agindo sempre de acordo com o povo Yanomami. Mais tarde, esse grupo conseguiu atrair o líder Davi Kopenawa (que antes trabalhava na Funai e só sabia de coisas horríveis que inventavam a ele sobre Claudia). Eles viajaram muito, gritaram a importância das demarcações de terras para todos os cantos, compraram briga com Romero Jucá (na época, governador de Roraima) e incentivaram a pressão internacional sobre o Brasil. Até que em 1992, no governo Collor, finalmente fossem feitas as demarcações das terras dos Yanomami.

Sua atuação na fotografia diminuiu conforme seu ativismo aumentou, não se considera uma artista, mas diz que se a fotografia ajudou os povos indígenas, está feliz com isso. Suas fotos nunca deixaram de ser expostas e a Galeria Vermelho vende seus quadros por um valor que é dividido em 3 partes iguais: um terço para ela, um terço para a galeria e um terço para os Yanomami.

Em 2017, quando deu a entrevista ao Fernando Luna, e ao ser perguntada sobre o risco de retrocesso nos direitos dos povos indígenas, Claudia declarou:

                "Já está piorando. Têm lutas hoje para modificar a lei [a PEC 215, por exemplo, propõe mudar a Constituição e transferir para o legislativo a demarcação de terras indígenas]. O Brasil quer se livrar dos índios e ocupar as terras. A população está falando mais dos índios, respeitando a maneira como eles entendem a vida. Mas o governo, não."

Claudia diz que em sua idade não se sente só, seus filhos são os Yanomami que ajudou a salvar, tem amigos que se mantiveram ao seu lado desde o início de suas lutas e até agora em sua dificuldade de locomoção por cirurgias na bacia, como Davi Kopenawa e seu filho, Dário Kopenawa, o missionário italiano Carlo Zacquini, e até os novos amigos que surgem pela admiração, como o cantor Emicida. O último álbum do cantor, "Amarelo", carrega uma imagem de Claudia na capa.

Nos dias atuais precisamos cada vez mais do idealismo e força de Claudia, que sobreviveu à guerra e salvou povos que são tão atacados quanto os judeus foram na Segunda Guerra Mundial. Precisamos lutar pelo direito à vida e à terra dos povos indígenas, pois eles são os maiores conservadores da floresta Amazônica. 

E encerro com uma frase da própria artista:

                "Sou muito idealista, e você deve brigar pelo seu idealismo" - Claudia Andujar

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Claudia Andujar pintada por índia Yanomami em 1976.

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